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4 poemas de Victor Prado

por Victor Prado
Foto de Luísa Machado para ilustrar os poemas de Victor Prado.

Victor Prado é Assistente de Arte na Editora Elefante. Publicou Bastardo (Editora Urutau, 2016) e um nome inabitável (Artefato Edições, 2017).


esta mentira que você me conta 

esta mentira que você me conta
com a boca no meu pau 
com a cabeça nos meus peitos
esta mentira que eu leio sem 
pressa no seu pulso 
esta mentira que eu te conto 
com o dedo no cu
esta mentira que vai ganhando 
corpo através das minhas pernas 
esta mentira bamba que você 
faz questão de jogar na minha cara 
apagada acesa murcha triangular 
com olheiras de quem não dorme 
desde que acordou pela primeira vez 
esta mentira que não contém nada 
absolutamente absurdamente nada de verdade 
de possibilidade de verdade 
de qualquer verdade não nenhum fio de verdade 
esta mentira que é apenas mentira 
que você sabe que eu sei que você sabe 
que eu sei que é mentira 
mesmo quando me deparo com as pernas abertas 
suadas tesas tesudas e esqueço de respirar 
como lembrar de respirar pra que lembrar de respirar 
se tenho o que mais me importa bem em cima do nariz 
lambuzando o meu nariz guiando a minha língua 
esta mentira que não esqueço nem agora 
enquanto estou perdido entre saliva e 
saliva esta mentira que continuará aqui entre nós dentro de nós 
germe de uma outra mentira maior ainda menor ainda 
de outra ordem de outra categoria de outra espécie 
uma outra mentira igualmente pensada 
igualmente ignorada esta mentira 
você conta enquanto devora os lábios 
se afoga nas virilhas se perde no rabo 
bom é bom sim é bom quando é gostoso e é gostoso 
mesmo com esta mentira que não me deixa esquecer 
mesmo quando não consigo pensar em outra coisa 
além da língua lambendo 
além do corpo cavalgando do 
corpo inteiro domando um outro corpo inteiro 
mesmo quando a felicidade é mais do que apenas uma 
palavra apropriada pelo marketing pra vender mais 
pra consumirmos mais as melhores tristezas personalizadas
mesmo quando o prazer é prazeroso 
esta mentira não larga a minha mão 
não saí do meu pé parece que tem mentira no colchão 
que tem mentira na roupa que tem mentira no prato no copo 
que tem mentira atrás da orelha da minha orelha 
porque atrás da sua orelha tem a minha língua 
procurando o arrepio e agora eu poderia te dizer 
adeus você que se vire com o pau duro 
com a buceta inchada com a passividade flácida 
é isso que esta mentira faz comigo 
mesmo quando estamos jantando felicidade alegria contentamento 
ou quando estamos vendo os heróis destruindo o mundo 
pra salvar o mundo de coisas que não existem 
esses heróis super-heróis não podem nunca 
salvar o mundo das coisas que existem longe bem longe
tão longe do mundo dissimulado deles
tão longe quanto rio das pedras 
esta mentira que eu nunca gostaria de aceitar como realidade 
como realidade mais real do que a morte e do que a carne 
sangrando sangrando sangrando dentro da dor
você sabe eu sei todo mundo sabe
todo mundo vê todo santo dia nos próprios olhos 
que não não ficaremos bem se não colocarmos os senhores 
e as senhoras do poder do dinheiro num mal-estar profundo 
permanente indefensável irrevogável ininterrupto imediato 
se não deixarmos de lado nossa posição subjetiva de desvalor 
e os delírios de condomínio que nos obrigam a ficarmos em paz 
sustentarmos a paz buscarmos a paz custe o que custar 
mesmo que custe as nossas filhas os nossos filhos 
as nossas almas os nossos corpos mesmo que custe o 
o desespero o desamparo o desalento 
é esta mentira a maior mentira de todas as mentiras que nos prende 
à ideia de que não não podemos não devemos não temos condições
de darmos o troco o tapa os golpes no mesmo idioma violento terrível raivoso
dos gestos violentos terríveis raivosos
já é hora de superarmos esta mentira e aceitarmos que somos
barris de pólvora prontos pra explosão
agora é a hora fatal da sinceridade quando podemos devemos temos condições
de sufocarmos a mentira pelo colarinho e com as nossas próprias mãos
revidar 


um clima como este

te ouvir foi viajar
novamente ao futuro 

hoje acordei
por obrigação

(ontem também)

o clima é
bom para 
quem veste
verde e amarelo

(nada está resolvido)

visto vermelho sangue 

(mera coincidência)


em casa, brincávamos 

I

em casa, brincávamos
de ler o silêncio, mas 
nossa palidez era ruidosa 

tínhamos uma tv que era
nosso quintal, mas éramos
econômicos com os canais,
como bem estabelece a
lei natural do controle: 

manda quem pode, 
obedece quem não tem nada
além do juízo 

II 

na escola, brincávamos
de dar tapas uns nas 
mãos dos outros 

gostávamos do vermelho
era bonito sentir que 
estávamos vivos


escrevo porque quero

Feito em parceria com Gabriel Galbiatti Nunes.

a lembrança, porque quero
entrar em chamas
pelas paredes da memória
e sair de mim para me ver

estou aqui, entre as visões
e os papéis e sinto
minha boca cheia
com o sangue dos dias

viver ainda está proibido

ligo a torneira e cuspo

observo a água
levar o sangue até o esgoto

sinto o sangue da minha boca
se misturar ao sangue do mundo
na latrina do esquecimento

é o ruído, ouve?, que denuncia
o destino das palavras

quando foi isso? hoje, ontem?
veja! nos jornais, é quinta! e a glória
foi silenciada nesse mundo

o que, para além dos jornais, nos diz
que o mundo ainda existe? ou, ainda,
será que há chance de durar este mundo
que existe nos jornais?

viver ainda é proibido
se cada abraço é feito de tropeços

então, como ajustar o passo e seguir o caminho?
isto é, se os tropeços não nos fizerem
abraçar para sempre o chão com nossas bocas
cheias de areia, sono e febre

saio de casa e vou à padaria, 
sozinhos às vezes acompanhado
saio de casa e vou ao passado,
busco nesse caminho encontrar outra forma
de aprender a não tropeçar

há algo vivo no passado, algo com músculos
e impulsos. lá conheço e sou conhecido.
também há ruínas ainda desabando
e atirando pedras frente ao nosso caminho.
brincamos de amarelinha, mas substituímos o céu
pela alegria, a única prova dos nove

na memória, pinço os sorrisos, ainda
sufocados pelas máscaras. na memória,
busco a narrativa dos nossos movimentos
e o lugar que a casa ocupa em mim

a memória é o fio de ariadne que prendo
a meus pés para que eu conheça a direção do futuro

e, de repente, a areia nos olhos começa
a se dissipar e vejo aquilo que faço

escrevo para reescrever a narrativa da história
para possuir a lembrança. porque possuir a lembrança
é possuir também o passado. e possuir o passado
é a única forma de inventar o presente, a única forma
de viabilizar o futuro que quero conhecer

possuir a lembrança, não pelo método conservador,
que ergue um altar ao que foi e o adora e o falseia

possuir a lembrança como quem dissipa o silêncio
com a dança, como quem vira o tempo com as mãos.


Foto de Luísa Machado.

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